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UM TETÊ-A-TETÊ COM TEODORA OSHIMA

13 Mai

Reverenciando sua ancestralidade e resgatando referências plurais, a estilista transparece fluidez e poesia na marca que leva seu nome

Foi em 2015, quando estava finalizando seu trabalho de conclusão de curso e dando adeus à Faculdade Santa Marcelina, que o orgulho ocupou o coração de Teodora Oshima pela primeira vez. Estava ali, diante de seus olhos, sua peça primogênita: uma camisa de gola alta, feita de linho azul-marinho, com manga curta, modelagem ajustada, bolso frontal e um godê impecável na cintura. A sensação inédita de perceber que sua imaginação podia ser fielmente materializada foi um aconchego para suas inseguranças. Alguma coisa se alinhou no universo particular de Tete naquele momento. Era esse o seu destino – e o futuro confirmou: hoje, seis anos depois de sua primeira criação, ela brilha nacionalmente com sua marca homônima (@teodoraoshima), que foi lançada há seis meses e reflete um delicado passeio pela ancestralidade, repleto de detalhes sublimes e texturas viscerais.   

Nascer já sabendo o que veio fazer no mundo é uma raridade, mas foi assim com Tete. Desde a infância em Campinas, cidade no interior de São Paulo onde nasceu, ela sabia que queria trabalhar com moda. Nunca passou pela sua cabeça fazer outra coisa senão essa. O caminho para chegar em sua sina, porém, era um mistério. “Achei que fosse algo distante sair da minha casa e ir para cidade grande, era meio fora da minha realidade. Até que tomei coragem e me mudei em 2011. Primeiro, fui atrás de trabalho para me sustentar, depois prestei vestibular. Só fui trabalhar com moda mesmo três anos depois, um ano antes de me formar”, conta.  

Após estagiar um mês ao lado do chapeleiro Eduardo Laurino desenvolvendo técnicas manuais de costura, Tete encontrou um lugar para brilhar ao lado da estilista Helô Rocha. Começou como estagiária, em 2015, e não demorou para se destacar: foi contratada 10 meses depois, conquistou autonomia nos processos criativos da empresa e amadureceu profissionalmente. Quando Helô foi chamada para dirigir o Atelier Le Lis, do grupo Restoque, ela foi junto. “Rolou uma troca muito boa, foram quase cinco anos de entrega total. A gente trabalhava com peças sob medida, mas também fizemos linhas comerciais, com varejo e atacado, então aprendi muito. Eu já tinha vontade de ter marca faz tempo, mas achava que não tinha maturidade e experiência – hoje, tenho certeza que não tinha! (risos). Gerir o business é um babado; antes da Restoque, eu não tinha esses skills”, comenta ela, que encerrou a parceria com a marca em 2019. 

O voo solo veio logo em seguida. A primeira cliente de Tete faz jus à grandeza que sua história merece. Depois de desenvolver um figurino para um show de Liniker – cantora, multiartista e uma das principais vozes da nova música brasileira – e, em seguida, criar mais dois looks para a turnê da compositora, a estilista sentiu que era o momento de lançar sua etiqueta no mercado. Um detalhe, no entanto, fez essa decisão se tornar mais arriscada do que o previsto: era fevereiro de 2020 e a pandemia do coronavírus estava batendo com tudo nas portas do mercado. 

O que a fez colocar o projeto na rua? O mesmo motivo que moveu milhares de pessoas no mundo inteiro: sobrevivência. “Vi vários amigos falando em demissão em massa, negócios fechando, milhares perdendo seus empregos. Fiquei com muito medo de arriscar, mas, ao mesmo tempo, precisava de dinheiro. Foi uma questão de necessidade, eu precisava trabalhar”, lembra Oshima, que decidiu vender as peças sob demanda para evitar gastos extras e evitar desperdícios. Desde então, já vestiu Sabrina Sato, Iza, Dira Paes, Linn da Quebrada e MC Rebecca, só para citar alguns nomes. 

CONSTRUINDO TEODORA OSHIMA

Ainda que sua marca tenha menos de um ano, a construção do que seria o universo Teodora Oshima começou muito antes disso. Curiosa e muito atenta aos detalhes, ela sempre teve o hábito de captar beleza em tudo. Ainda em 2018, começou a catalogar suas inspirações já mirando em sua marca própria. O olhar dedicado a fez reunir milhares de referências, que vão desde músicas japonesas dos anos 1970 até retratos antigos da era vitoriana. Enquanto organizava o que fazia brilhar sua essência estética, a estilista, que tem raízes holandesas, indígenas e nipônicas, fez um resgate profundo da sua ancestralidade. Toda essa bagagem visual e cultural resultou na coleção piloto Archive One.

 

“Minhas peças retratam todo o meu universo, são uma extensão de quem sou, do que carrego comigo, da configuração da minha família. Tudo isso está na roupa. Não consigo explicar com palavras porque não é literal, é sensorial. Está ali, é para ser sentido”.

As 28 peças da coleção são carregadas de uma proposital fluidez romântica, que é muito bem estruturada com plissados, jabôs, transparências e nervuras. Os tules se equilibram com os tafetás que, ao lado de tons terrosos e quentes, expressam originalidade e delicadeza em perfeita harmonia. Na parte das estampas, a soberania é da poesia, que surge por meio das imagens clicadas pela fotógrafa e amiga Cai Ramalho. As fotos, que de longe podem até remeter a um tie-dye, registram os movimentos das águas do mar junto ao horizonte. A grade inclui a numeração do 36 ao 46, mas deve aumentar em breve, na coleção Archive Two – que já está sendo desenvolvida. A mudança não é só para contemplar corpos de diferentes tamanhos, mas também de distintas configurações, caso do corpo não cis da própria Tete.  

“Uma só falando não contempla todas as trans e travestis do mundo, quero que a inclusão aconteça para muitas, não apenas para uma em um milhão. Estamos, sim, alcançando espaços, mas ainda falta muito para chegarmos em um lugar ideal”.

Ser uma mulher trans inserida no mercado de trabalho no Brasil, aliás, é uma raridade. Bem-sucedida e dentro do mercado fashion, então, uma exceção quase milagrosa. Tete sabe disso e carrega em seu trabalho a vontade de transformar esse cenário. “Uma só falando não contempla todas as trans e travestis do mundo, quero que a inclusão aconteça para muitas, não apenas para uma em um milhão. Estamos, sim, alcançando espaços, mas ainda falta muito para chegarmos em um lugar ideal” conta ela, que critica a postura falsamente comprometida da moda. “Às vezes, a marca vai lá e coloca uma mulher trans na campanha, mas dentro da empresa não tem uma profissional que não seja cis. O que de fato vocês estão querendo com isso, cadê essa representatividade?”, questiona. 

Enquanto a resposta não chega, a estilista segue ecoando sua potência máxima e primordial em um mercado ainda preguiçoso. Diante de tantos silêncios, sua voz. Diante de tanta invisibilidade, sua luz. Abra caminhos, Tete. Abra e traga muitas outras com você.  



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