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O QUE A MODA DIZ SOBRE VOCÊ?

13 Mai

Confira a coluna de Ana Paula Xongani sobre moda e pluralidade. Ilustração por Jess Vieira

Não é por acaso que moda e comportamento são palavras que andam juntas: MODA É COMPORTAMENTO.

Assim, em caixa alta mesmo, tamanha importância dessa reflexão para qualquer pessoa que queira pensar a moda a partir de uma lógica diversa, ou plural, adjetivo que me agrada mais.

Certa vez, em um papo com o Dudu Bertholini, um dos mais respeitados comunicadores de moda do Brasil, falávamos sobre o quanto a moda precisa "cada vez mais deixar de ser uma 'lançadora de tendência' para se firmar como um lugar que ecoa as diferentes expressões de identidade a partir das coisas que a gente veste."

Por muito tempo, as perspectivas sobre as construções dos discursos e imaginários sobre a moda, principalmente nos espaços em que isso se constrói, ficaram em um plano raso, superficial. Ao longo dos anos - ou séculos - o olhar sobre a moda tem se dedicado muito mais a uma ideia de ditar tendências do que refletir o discurso não verbal que já existe nas expressões de moda nos diferentes grupos sociais.

Chamo de grupos sociais os diferentes agrupamentos possíveis de pessoas mesmo, seja por raça, classe, gênero, corporalidades específicas, sexualidade e tantas outras possibilidades e novidades porvir, pois é certo que não deixaremos de ter novidades, considerando o quanto nossas investigações das subjetividades sempre nos levarão para novos lugares de nós mesmos.

Trabalho com moda há mais de dez anos e sempre digo que ela é uma janela para observar a sociedade: os costumes, os hábitos, os desejos e traumas sociais, os resquícios históricos, as evoluções, os preconceitos e conceitos, o racismo, o combate ao racismo, a liberdade de gênero, o autoamor, o meio ambiente e muitas outras coisas. É isso que eu busco ver e vejo quando abro a minha janela para a moda.

E nessa janela eu vejo você que está aqui lendo esta coluna hoje! Vejo você, vejo a mim, vejo todes! Se engana quem acha que a janela da moda precisa enxergar apenas a menina magrela na passarela, a blogueira de estilo e a artista da novela. Eu nem sei quem você é. Mesmo assim, vejo que a moda faz parte da sua vida!

Quando criei, junto com minha mãe, o Ateliê Xongani, a ideia era - e ainda é - produzir moda para corpos como o meu e o dela, volumosos, com medidas assimétricas, para os quais encontrávamos pouca coisa com um corte bacana, uma estampa bonita.

Eu não me via nas lojas e nem nas mídias, seja na internet, seja nas mídias mais tradicionais. Isso também me levou para internet, onde hoje crio conteúdo sobre vários assuntos, mas também sobre moda.

Nestas andanças, aprendi um tanto mais com pessoas diferentes de mim, como o próprio Dudu, com a Jamine Miranda (@pretacaminhao), a Paula Renata (@missblackdivine), a Fernanda Garcia (fe_garciarj), Isaac Silva (@isaacsilvabrand) e tantas outras pessoas que dedicam suas vidas a descolar a criação artísticas das referências de branquitude, de heterossexualidade, da cisnormatividade e, claro, dos corpos magros.

Para além da corporalidade, há que se registrar também dois "termos" que vem se atrelando aos discursos da moda, como a sustentabilidade e o consumo consciente. Tenho feito reflexões gigantescas a respeito destes assuntos, principalmente no âmbito das referências de criação e autoralidade neste sentido.

Estes conceitos são utilizados à exaustão em tudo que pensa o "novo". O novo consumo, a nova moda, as novas formas de se alimentar, os novos comportamentos, as novas relações... tudo! Mas será que o "novo" é tão novo assim ou o "novo" é novo para algumas pessoas?

Cresci na Zona Leste de São Paulo, região considerada periférica - mas que eu costumo dizer que é o meu centro. Deste lugar, afirmo que a "consciência" foi uma das forças que mantiveram a periferia viva. A sustentabilidade é cotidiana para quem vive nestes territórios. O uso máximo dos recursos, fazer a mão o que se come e o que se veste, o plantar dos seus próprios alimentos, as trocas de serviços entre pessoas, as compras comunitárias, a economia de água e energia, os bazares e tantas outras práticas estão presentes há muito tempo nestes territórios.

Já vi por aí muitas práticas periféricas sendo renomeadas: moda brechó, upcycling, evento de troca, armário coletivo, horta doméstica, entre outras, sendo absorvidos, colocados e vendidos como novos! Então, provoco novamente: novo para quem? Ou será que novo é só o nome?

Pode até parecer que não, mas a partir destas reflexões vejo avanços e sou otimista. Vejo nas ruas, nas lojas, mas principalmente no comportamento de pessoas que sempre foram marginalizadas pela indústria da moda fazendo e acontecendo, criando suas próprias formas de expressar suas vivências e a diversidade de seus corpos.

Todas as mudanças trazem benefícios individuais, no que diz respeito à autoestima de cada um de nós, mas não só. Trazem também novas questões, coisas que estão há bastante tempo precisando ter espaço. 

Ter consciência de moda é entender que você faz parte desse universo e que sua escolha tem impacto direto na sua vida, no seu entorno, no futuro e em todo o ecossistema da moda, com impacto muito importante na sociedade.

Poderia me alongar nesta coluna sobre vários aspectos da pluralidade da moda, mas talvez não houvesse espaço suficiente. Quem sabe numa próxima? Aqui, já há um montão de coisa pra gente pensar, rever, ressignificar.

Eu sou uma apaixonada pelo papel da moda e pelo poder que ela tem de construir discursos e narrativas, de expor muito dos aspectos positivos e negativos da sociedade. Uma baita ferramenta para aprendermos muito sobre a gente, sobre o outro e sobre as relações que a gente tem com o mundo.

E se você chegou até aqui é porque esta abordagem sobre a moda te interessa também e, se é assim, fico feliz. Minha missão ao aceitar o convite de escrever aqui está cumprida.

Mas, e você? O que a moda significa para você? O que será que a moda que veste seu corpo diz sobre a pessoa que você é?  

Ilustração: Jess Vieira

Ana Paula Xongani é multiempresária: no Ateliê Xongani, de moda, e também na empresa que leve o seu nome, de criação de conteúdo. Seus trabalhos já a levaram para muitos lugares, entre eles para a TV, onde apresenta o programa Se Essa Roupa Fosse Minha, no GNT, sobre moda consciente. Nas redes, produz conteúdos próprios e para empresas e grandes marcas. No início deste ano, realizou à convite da Obama Foundation e YouTube o minidoc “Por que precisamos voltar à escola”, sobre educação de meninas negras, que integrou o projeto YouTube Originals com Michelle Obama. Está no especial Inovadores Negros, da Forbes Brasil. Foi uma das convidadas do TEDx em 2019. Recebeu o "Creators Boost", do YOUPIX, em 2018. Em 2016, foi reconhecida como uma das Mulheres Inspiradoras daquele ano, pelo Think Olga, quando também foi selecionada pelo YouTube para representar o Brasil no YouTube Summit for Social Change, em Londres (UK). Em suas redes, propõe conversas gostosinhas pra falar com leveza e responsabilidade sobre temas sempre importantes e urgentes para que todo mundo junto construa um mundo mais justo e acolhedor para todas as pessoas, especialmente para as mulheres pretas. Ativismo afetivo, como costuma dizer.


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